"Sempre que eu leio sobre os males da cerveja, eu paro... de ler!"

"Give a man a beer, he'll waste an hour. Teach a man to brew and he'll waste a lifetime".

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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Kudos para os Fungos!

Quando se discute cerveja, falamos muito do sabor, da cor, do aroma, do teor alcoólico, do estilo, da cervejaria, mas raramente se discute um dos ingredientes mais importantes da cerveja. Este ingrediente é sem dúvida nenhuma o mais importante de todos os que compõem este líquido sagrado. Este ingrediente especial é o fermento.

O fermento, ou levedura, é o carro-chefe de toda cerveja, mas é muitas vezes esquecido ou ignorado quando se fala no assunto. Sem fermento, a cerveja como a conhecemos não existiria. Em vez disso, estaríamos bebendo uma bebida excessivamente doce e desagradavelmente amarga que não nos daria a sensação de euforia a que estamos acostumados. É como diz um velho ditado, “Cervejeiros fazem mosto, levedura faz cerveja”.

Levedura é qualquer um dos vários fungos do filo Ascomycota que se reproduzem por fissão ou brotamento e que são capazes de fermentar carboidratos, transformando-os em álcool e dióxido de carbono. Para colocar de forma mais simples, a levedura é um fungo unicelular que come açúcares simples para produzir álcool e dióxido de carbono. O nome científico para a levedura de cerveja é Saccharomyces, que vem da palavra grega "saccharo", que significa açúcar e “myces”, cogumelo ou fungo. Leveduras desempenham o papel inicial de decomposição na natureza e são encontradas em toda parte, literalmente, morando nas peles de frutas e vegetais, hibernando dentro das barrigas das abelhas, e mesmo vivendo em nossa pele.

Como acontece a ajuda da levedura na produção de bebidas saborosas, como a cerveja? Antes que possamos discutir o papel da levedura na cerveja, devemos primeiro entender o que a cerveja é antes de adicionar o fermento, ou o que chamamos “mosto.” Para se fazer o mosto, o ingrediente principal é geralmente a cevada maltada, que são sementes de cevada germinadas. Uma vez germinada, a cevada é a seguir aquecida para interromper o processo de germinação, o que preserva os amidos, que seriam utilizados pelas sementes para crescerem e se tornarem plantas maduras. Esses carboidratos são o começo do que vai se tornar o alimento para a levedura, convertidos em açúcares mais simples através de um processo chamado maceração, quando a cevada é embebida em água, a uma temperatura específica durante um período de tempo definido. Durante o processo de maceração, as enzimas naturais do grão começam a quebrar o carboidratos em carboidratos menores, ou o que nós chamamos de açúcares simples.

Podemos medimos a densidade destes açúcares na água por gravidade específica, para utilização no cálculo do ABV (álcool por volume) no produto final. O mosto é fervido e agora a receita é seguida como planejado com as adições do lúpulo e de especiarias. Após a ebulição, o mosto é arrefecido a uma temperatura precisa, normalmente em torno de 70° F e colocado nos vasos de fermentação onde é inoculado com as células de levedura. Dentro de 12 a 24 horas deverá haver evidências consideráveis ​​de que a levedura está fazendo seu trabalho, a chamada fermentação: uma quantidade excessiva de gás CO2 deve ser liberado pelo fermentador e uma krausen (espuma bege) se forma.

Álcool e CO2 são os principais subprodutos da fermentação da levedura. A maioria de nós sabe o que o álcool faz, e é uma das principais razões porque gostamos de beber cerveja, mas o papel do CO2 é geralmente uma reflexão tardia. A maioria das cervejarias hoje liberam o gás carbônico na atmosfera e, na hora de carbonatar a cerveja, eles compram CO2 comerciais e forçam-no na cerveja. Sem CO2, a cerveja seria uma bebida como o vinho, e não teria as bolhas e a cabeça espumosa que nós apreciamos. É possível ainda carbonatar a cerveja após engarrafá-la, adicionar uma quantidade de açúcar antes de colocar na garrafa ou barril. A fermentação se reinicia e a levedura começa a produzir uma pequena quantidade de CO2 e álcool, apenas o suficiente para carbonatar a cerveja.

Existem atualmente cerca de 1.500 tipos de leveduras diferentes, mas a maioria dos fabricantes de cerveja geralmente selecionam a partir de um pequeno número de boas cepas conhecidas, transmitida por centenas de anos. As três maneiras mais fáceis de categorizar leveduras são por leveduras Ale (Saccharomyces cerevisiae), levedura de Lager (Saccharomyces pastorianus) e leveduras selvagens (Brettanomyces). Leveduras Ales fermentam no topo do vasilhame e trabalham bem na temperatura ambiente, criam um aroma e sabor mais frutado e pode ter uma média de 10 dias para completar a fermentação. A maioria das cervas artesanais hoje em dia usam a levedura Ale para produzir IPA’s, hefeweizens, Pale Ales, Stouts, etc. Leveduras Lager fermentam no fundo do vasilhame e trabalham bem em temperaturas mais frias e produzem uma cerveja de sabor mais “limpo”, mas pode levar até 45 dias para completar a fermentação. Esta é a estirpe de levedura que tem sido usada para fazer a maior parte das cervejas comerciais, como as Pilsens.
Leveduras selvagens são usadas desde que a cerveja surgiu e ainda hoje é parte da produção de Lambic, Saison e Farmhouse. O nome Brettanomyces surgiu em 1900, quando esta levedura foi identificada como causa de deterioração em Ales na Inglaterra e, por isso, foram chamadas “fungo britânico”. Brettanomyces, ou Brett, é uma forma de levedura que acidogênica e, quando se desenvolvem muito, cria ácido acético, o mesmo ácido causador do sabor azedo do vinagre. Recentemente, cervejarias americanas como a Russian River, Lost Abbey, Jolly Pumpkin, Allagash, dentre outras, estão usando muito as leveduras selvagens, dando uma característica muito diferente para as suas cervejas. Pouco ainda se sabe sobre as várias cepas de leveduras selvagens e suas reações reais durante a fermentação, mas o recente interesse em Sour Beers está alavancando a investigação científica sobre o assunto.
Há uma série de amidos diferentes no mosto, glucose, frutose, sacarose, mas principalmente maltose. A levedura não consegue processar totalmente alguns dos açúcares mais complexos, tais como maltotriose, o que dá à cerveja um sabor doce e maltado.

Quando a fermentação termina, as leveduras se “desligam” e se acumulam no fundo do vasilhame. Este processo, chamado de floculação, é exclusivo para levedura de cerveja, uma espécie de seleção natural, já que essa capacidade faz com que estas leveduras sejam coletads e reutilizadas, além de permitir que a cerveja fique mais clara. Se o fermento é menos floculante, como numa hefeweizen, eles ficam suspensos e produzem uma cerveja turva e nebulosa. Leveduras selvagens, como Brettanomyces, não floculam bem. Por isso estas novas cervejas feitas com fermento selvagem são recomendadas para que as deixem envelhecer como uma garrafa de vinho.

A taxa a que o fermento come os açúcares do malte é chamada de “atenuação aparente”, o que é medido pela percentagem de açúcares que a levedura consome. Quanto maior a percentagem de atenuação, menos doçura e corpo residual a cerveja acabada terá. Esta porcentagem é importante para as cervejarias profissionais, já que se a atenuação não for precisa, o produto final não será consistente e não será possível fazer o controle de qualidade. A levedura é muito específica e diferente em cada região. Um pão aqui no Brasil e na África terá sabores diferentes, mesmo se feitos com a mesma receita, e o mesmo conceito vale para cerveja.

Até o uso de tecnologias de laboratório recente, cervejarias usavam a mesma estirpe de levedura por muito tempo, dando para cada cervejaria um toque e características especiais e únicas, principalmente no sabor e aroma, como ainda acontece com as cervejarias mais antigas da Europa. Hoje em dia não existe a preocupação com o transporte de leveduras, por exemplo, ou excesso de calor ou contaminação. Por exemplo, as cervejarias belgas nos Estados Unidos usam leveduras que foram trazidas da Bélgica há muitos anos.

Estas diferenças é o que possibilitam os mais diversos estilos de sabores e aromas da cerveja. Estes sabores e aromas são referidos como fenóis e ésteres. Por exemplo, a diferença entre uma pale ale americana e uma hefeweizen alemã se devem mais aos ésteres produzidos pela levedura do que ao trigo adicionado no hefeweizen. A Hefeweizen (que literalmente significa "trigo fermento"), deve o seu sabor leve de banana ou o aroma de cravo por um éster, o acetato isoamílico. Hefeweizens são fermentadas num temperatura mais alta e possuem leveduras menos floculantes. A maior parte das american pale ales são fermentadas a uma temperatura ligeiramente mais baixa e com levedura mais floculante, da Califórnia. Outro sabor comum encontrado em algumas cervejas estilo inglês e belga, que são estritamente devido à levedura, são aqueles sabores verde-maça, do éster butirato isoamílico. A língua humana é muito sensível a estes sabores, o que significa que pode ser desagradável em concentrações mais elevadas.

Além da produção do álcool na cerveja, a levedura é o fungo microscópico responsável por fornecer as bolhas e muitos dos aromas e sabores da cerveja. Por isso, o fermento pode ser considerado, sem medo de errar, como o componente mais importante na fabricação da cerveja. Muitas cervejarias manter suas estirpes de leveduras sob sete chaves com altos níveis de segurança, enquanto outras simplesmente usam a levedura selvagem que extraem do ar livre na região. Sem esses organismos unicelulares, não haveria cerveja, vinho, cidra, pão, pizza, etc. Portanto, é devida toda a atenção e respeito que a levedura merece. A próxima vez que você se sentar para desfrutar de sua cerveja favorita e comentar sobre seus sabores e aromas, não se esqueça que não está ali apenas o lúpulo e o malte. São trilhões de trilhões de microorganismos criados para fazer esta bebida dos deuses.