Outro país que visitei foi o Egito. Diferentemente de
Moçambique, a proibição islâmica em relação ao álcool surte algum efeito. Mesmo
assim, eles são bastante tolerantes com os turistas, uma vez que bebidas podem
ser facilmente compradas em qualquer cidade. As leis são mais liberais que nos
outros países islâmicos vizinhos, exceto no mês de Ramadã, em que apenas
lugares turísticos vendem cervejas e, na lua cheia que precede o mês, a
proibição é total. As cervejas mais comuns são a Sakara, nas versões Gold e King
(esta com ABV 10%!!!), a Luxor Classic e a Stella Artois.
O Egito, no entanto, não é tão notável pelo que o país tem
de moderno, mas pelo mergulho na História antiga que oferece. E a cerveja,
sabe-se, era um componente primordial na dieta do antigo egípcio. Eles bebiam
cerveja todos os dias e quase todas as refeições. Era tão importante que era
usada como parte do pagamento dos salários dos trabalhadores. Sim, existiu uma
era perfeita onde os trabalhadores eram pagos com cerveja. Nem o melhor dos
marxistas conseguiria imaginar um mundo tão perfeito.
A cerveja era consumida naquela época por todas as classes
sociais, por crianças e adultos. Era também oferecida aos deuses e colocada nos
túmulos dos mortos. Durante a minha visita ao Museu do Cairo, pude ver entre os
objetos deixados nos túmulos vários vasilhames em que eram colocadas cervejas
para o consumo post-mortem dos faraós. Era tão popular que a ressaca era
considerada uma razão legítima para faltar ao trabalho.
O processo de produção da cerveja também se encontra
registrado em paredes de tumbas. Vários textos antigos dão informações sobre os
ingredientes e os procedimentos adotados. O estudo de potes de cerveja pintados
também ajudou a pintar um quadro mais completo. Estas cervejas eram geralmente
feitas em casa pelas mulheres ou escravos como parte das tarefas domésticas
diárias.
O processo era o mesmo da fabricação de pão e, de fato, às
vezes era feito de pão velho. O pão era pressionado por uma peneira com água,
em um frasco. Normalmente eles adicionavam outros ingredientes para acrescentar
sabor, como mel, especiarias e ervas. A seguir, o líquido era filtrado e
fermentado. Como era parte da dieta, não tinha um teor alcoólico muito alto, e,
pela mesma razão, era mais espessa, extremamente doce (não se usava lúpulo) e nutritiva.
No entanto, a cerveja usada nos festivais aos deuses possuía
muito álcool, dado a utilidade desse teor inebriante nestes cultos religiosos. Os
festivais das deusas Bast, Sekhmet e Hathor eram regados à muita cerveja com
alto teor alcoólico. Uma história contava como a cerveja salvou a humanidade
quando Sekhmet (em seu papel como o “Olho de Rá”) foi levada a beber cerveja vermelha
que ela confundiu com o sangue e ficou muito bêbada, tendo ficado desmaiada por
três dias. Embora estas três deusas estavam intimamente associadas a cerveja, Tjenenet
é que era a antiga deusa egípcia oficial de cerveja. Segundo a lenda, Osíris
ensinou aos antigos egípcios a arte de produção de cerveja.
O glifo na língua egípcia antiga para um jarro de
cerveja (abaixo) também aparecia em palavras como “tigela de oferendas de pão”, “café da
manhã”, “cerveja”, “bebida”, “pagamento de salário”, “alimentos”, “oferenda”, “ceia”,
etc.